13 de setembro de 2017

De Uma Breve Vida Breve em Edvard Hespanhol (PARTE 2 DO CONTO).


história sobre perseguições políticas em uma ditadura

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De Uma Breve Vida Breve em Edvard Hespanhol


Semanas antes que defrontasse com meu infortúnio, não sei bem qual fora exatamente o dia, se quarta ou se quinta, eu estava na biblioteca, meio que buscando me distrair de uma chateação que se definia pelo nome Silverclay, um amigo com quem mantinha um caso. Frequentávamos a mesma universidade, contudo, depois de discutirmos, havíamos terminado. De uma hora para outra, passou a achar que o motivo para eu não querer assumi-lo ia muito além do que aquele que eu alegava, que, na verdade, não era por eu temer o preconceito e as dificuldades que sofreríamos ao nos revelarmos namorados, mas que o motivo era dele ser negro, ou seja, que eu era racista.


Um despropósito e um completo absurdo que pensasse assim de mim! Éramos amigos desde a infância e morávamos no mesmo quarteirão. Na época de escola, íamos a um circo que não passava dois anos sem visitar a capital. Nas férias, jovens, zoávamos nas praias com altas noitadas, acompanhados por amigos e xícaras de café cheias de cachaça. Foi então que, quarta ou quinta, na biblioteca, tivemos a oportunidade de nos reencontrar após o término. Eu estava na biblioteca quando, ao me ver, disse que procurava um livro para um trabalho de curso, no entanto, percebi logo que isso não passava de pretexto para que nos reencontrássemos e pudéssemos finalmente esclarecer o mal entendido. Ainda me amava. Eu também o amava. Ao caminharmos até um canto mais afastado, nos beijamos, pedi desculpa, o mesmo acontecendo por parte dele, e reatamos.


Quis o destino que nos separássemos de uma vez por todas. Silverclay, ao voltar para o estacionamento, abriu a porta do carro e foi abordado por um rapaz que anunciou o assalto. Percebeu que havia deixado cair em algum lugar a carteira que jurava ter enfiado no bolso da calça. Desgraçadamente, tomado pelo nervosismo, pôs-se a correr, não conseguindo fugir do rapaz. Recebeu três tiros pelas costas, um deles atravessando o coração como agulha quente espetada em um pedaço de manteiga. Silverclay foi sepultado ao lado de seus pais adotivos, mortos há três anos de acidente de carro.


Nesse meio tempo, enquanto o caixão era colocado na sepultura, papai estava sendo interrogado pessoalmente pelo Secretário de Justiça, assim como mamãe havia sido. O secretário queria se assegurar de que não representássemos uma ameaça ao estado, seja qual fosse e por menor que viesse a ser. Mesmo ele tendo sido homem de confiança de Markoon, papai tinha a esperança de que, após liderar o golpe, Jupecê o esqueceria, ignorando a conhecida amizade de papai com o presidente renunciado. Mas não foi o que aconteceu. Jupecê Piccolo era habilmente detalhista e estratégico na busca de seus objetivos. Certificando-se de que papai não atentaria contra e nem trabalharia pela desestabilização do regime, e como quem perguntava por perguntar, o secretário quis saber onde ele estava na manhã que o presidente renunciara e teve a mesma resposta que mamãe havia lhe dado na vez que fora interrogada. Papai respondeu que comemorava seu aniversário com um jantar em família e alguns amigos próximos, omitindo que seus colegas de quartel estavam presentes no almoço.


“Eu fiz alguma coisa de errado, senhor secretário?”


“Não, senhor Áries. Não.”


“Tem certeza?”


“Claro!”


Mais tarde é que fui descobrir o motivo da omissão de papai. Ele sabia que os amigos tramavam contra o regime, embora ainda não soubesse exatamente o que. Desconfiado de papai, o Secretário de Justiça repetiu sua pergunta e papai reiterou sua resposta. Como quem busca desbaratar em uma armadilha mental a pior mentira dos mentirosos, indagando-o em um tom de voz um tanto quanto informal, quis saber o que papai achava da figura de Jupecê, se o achava confiável, digno de consideração. Papai, por sua vez, esperto e em um tom tranquilo de voz, respondeu que não o conhecia pessoalmente, que só o lembrava de nome e pela imprensa, e que, portanto, não guardava condições de emitir qualquer juízo em relação a pessoa, mas que, no geral, o achava respeitoso e respeitável. Para reforçar tal credibilidade, papai emendou que, se tivesse oportunidade, ficaria feliz e honrado em conhecê-lo. Posicionado na mesa, havia em sua frente uma foto de Jupecê, cercado pelo povo, que papai, vez ou outra, olhava com admiração. O secretário revelou-lhe então que teria essa oportunidade e que seria bem antes que imaginasse.

“Pois bem, meu caro Áries, estamos satisfeitos com suas informações. Jupecê Piccolo mandou informá-lo que deseja se encontrar com o senhor para tratarem de assuntos de política. É realmente um homem bastante agradável! O senhor aceita o convite?”


“Obrigado, senhor secretário. Aceito com muita honra.”


“Ótimo então, entraremos em contato quando isso for possível”


“Obrigado, senhor secretário.” - e papai, em seguida, se retirou da sala. Obviamente que aceitou demonstrando um falso entusiasmo diante de tal possibilidade. O encontro não tardaria a ocorrer.


A partir do momento que eu soube, pela boca de mamãe, que papai havia sido interrogado pessoalmente pelo secretário, interrogatório sem quaisquer motivos que os justificasse, a repulsa que sentia pelo regime começou a crescer em meu íntimo de um modo rude, gradual e sem controle.

“Vou entrar para uma fraternidade anarquista, um grupo rebelde, me tornar um revolucionário.” - decidi. Seja lá de que forma se fizesse a revolução, em que hora do dia se desse o ataque, era o certo, o justo, a minha única obrigação. - “Pode deixar, pai, que eu mato o filho da puta.”


Encontrar aqueles que partilhavam da mesma decisão que a minha foi fácil. Sequer precisei procurá-los pois vieram ao meu encontro quando menos esperava. Estavam misturados ao povo. Dezessete de abril, noite de sábado, soube que haveria um comício em uma praça próxima do prédio que morava, com a presença de Jupecê Piccolo. Cheguei no comício a tempo de vê-lo subir no palanque, erguido da noite para o dia pelos serventes do palácio, e iniciar o discurso. Jupecê era daqueles líderes cuja liderança aparentava ser natural, quase inerente à própria existência. Cativava, tinha carisma, simpatia e uma fala constante, progressiva, assertiva, que, com inusual facilidade, conquistava mentes e corações dispostos a ouvi-la. Era tão exímio orador que, poucos minutos depois que abriu a boca, era aplaudido pela maioria das pessoas. Confesso que, por um mísero minuto descuidado, até mesmo eu quase me deixo conquistar pelos ideais de justiça e desenvolvimento que defendia naquele momento, quase me esquecendo da repulsa que sentia por ele.


FIM

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