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De Uma Breve Vida Breve em Edvard Hespanhol
O dia era cinco de março, manhã de sexta, quando, em torno de vinte a trinta militares pelegos de um tempo de ditadura, se reuniram em casa pela terceira vez naquela semana. Era o aniversário de papai. O contrário de mim, que só com muito esforço consegui mostrar o mínimo de receptividade e polidez, papai os recebeu de braços abertos. Nunca me simpatizei com eles e posso jurar que o contrário também foi recíproco, nunca disseram mas sei que foi.
Haviam varado a noite na zona que frequentavam desde a juventude. Mas papai há muito que não os acompanhava, mais precisamente, abandonou a diversão há vinte e dois anos, no dia seguinte que conheceu mamãe, com quem se casou um mês depois de se conhecerem, oito meses antes de eu nascer. Mamãe trabalhava como garçonete na casa.
Os Hespanhol na República do Álamo que eu conhecia contavam-se nos dedos de uma mão, exatamente cinco, e olha que em casa eramos três: eu, mamãe e papai. O quarto Hespanhol era um primo desaparecido na visão dos meus pais, mas que, para mim, fora assassinado por aliados de Markoon, seu desafeto. Ativista político, criticava a corrupção de seu governo. O quinto Hespanhol era sua mãe, uma tia na qual não nos relacionávamos. Mamãe, por algum motivo que nunca conheci, havia brigado e se afastado da irmã.
Festas eram algo que se via com frequência em casa: festas de aniversários, de Páscoa, de Natal, de conquistas do campeonato nacional de futebol pelo Sport Republicano e outras que não me lembro, até as sem motivo. Nunca faltaram razões para que nos reuníssemos e comemorássemos, mesmo que a três. O aniversário de papai seria mais uma ocasião, sem nada de especial, mas não foi. Eu assistia televisão no quarto quando mamãe se aproximou e, com um rápido olhar, pediu que eu me juntasse a eles na sala, pois chegara o momento de cortar o bolo e dar os parabéns ao aniversariante. Comi logo o meu pedaço e voltei para cama, para frente da televisão, deixando-os a vontade para falarem de política.
“O nosso povo não sabe votar e, quando vê que alguém é firme e merece ser eleito, acha que não é bonzinho o suficiente. O nosso povo é burro, demagogo, não tem caráter.” - papai sentenciou tendo a concordância explícita dos amigos.
Não muito depois que deitei na cama e recoloquei os olhos na televisão, o plantão jornalístico interrompeu o filme que estava assistindo para uma notícia de última hora: a República do Álamo sofria um golpe de estado e o presidente Markoon era forçado a renunciar, exilando-se no estado vizinho da Paraíba, território brasileiro.
Jupecê Piccolo: esse era o nome do golpista. Deputado italiano na década de setenta, fora denunciado por associação criminosa e enriquecimento ilícito, porém, antes da condenação, fugiu para o Brasil e logo casou em Sergipe com Ana Cristina, prefeita de uma cidade do interior, recomeçando a vida e, assim como na Itália, ascendendo na política até então com relativo sucesso. Elegeu-se deputado estadual em três mandatos e depois foi suplente de senador, período nos quais suas tramoias transcorreram perfeitamente, até que se viu novamente às portas da justiça ao ser apontado como mandante do assassinato de Octávio Jardim, senador na qual era suplente. Quando ia ser condenado de novo, voltou a fugir, dessa vez, para a República do Álamo.
Desde então, viveu com o status de perseguido político na capital da república. Hábil e perigoso, a frente de um exército de cem mil homens seduzidos por seus ideais de justiça e igualdade, invadiu o Palácio da República, sede do governo, e obrigou Markoon a assinar a própria renúncia, tomando o poder.
E enquanto papai dava a entender não tomar conhecimento do golpe de estado, mamãe sentiu os seus efeitos logo na primeira segunda-feira após o golpe. Foi abordada por três policiais, informantes diretos da presidência, ao ir à feira comprar legumes e temperos para o acompanhamento de um assado que prepararia no jantar. Começaram a interrogá-la ali mesmo, às vistas dos feirantes e clientes que circulavam entre as barracas.
“A senhora é esposa de Áries Hespanhol?”
“Sim, sou esposa de Áries Hespanhol. Me chamo Beatriz. Por que?”
“A senhora saberá no momento devido o porquê da nossa pergunta. Agora, por favor, tenha a bondade de nos acompanhar até o Departamento de Polícia.”
“Agora, mas por qual motivo?”
“Sim, deve nos acompanhar agora mesmo. O porquê a senhora saberá no momento certo, já disse.”
Diante de tal persuasão, mamãe concordou em acompanhá-los então, porém, antes de entrar na viatura, perguntou educadamente:
“Posso ligar para casa para avisar a minha família aonde eu estou indo? Meu filho e meu esposo vão ficar muito preocupados se eu não chegar em casa antes do jantar.”
Um dos policiais respondeu com certa rispidez:
“Dona, por favor, facilita o nosso trabalho. A senhora pode pedir o que quiser ao Secretário de Justiça. A senhora é um problema dele, não nosso.”
Desse modo, prontamente convencida de que não conseguiria qualquer acordo com os policiais, mamãe os acompanhou, entrando na viatura. Ao chegarem no departamento de polícia, foi levada até uma sala no último andar do prédio, onde a esperava o Secretário de Justiça nomeado por Jupecê. Fui saber dias mais tarde e por ela própria que mamãe fora interrogada pessoalmente pelo secretário, que, a todo custo, queria saber tudo que pudesse a respeito do papai. Perguntou aonde ele estava, com quem estava e o que fazia precisamente no momento que o novo governo havia se instalado. Soube que, de todas as suas respostas, em quase todas havia mentido com destreza. De verdadeiro, mamãe assegurou ao secretário que papai comemorava seu aniversário e que tinha como provar isso pela data de nascimento, mas, de mentira, disse que fora apenas um jantar em família e mais três amigos mais próximos. O Secretário de Justiça acreditou, ou fingiu acreditar pelo menos.
FIM

Olá, tudo bem? Bem interessante o conto, vou procurar ler os outros da coletânea, pois parecem ser muito bons
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