Pessoal, mais um conto meu que compartilho no blog!
Trata-se da história de dois irmãos chamados Uelinton e Uilson, em uma vida vivida juntos e cheia de coincidências. É o quinto conto da coletânea Quilômetro Cinza e Outros Contos de Cabeça, publicada na Amazon. Você pode comprar o eBook ($4,50), clicando AQUI, ou o livro impresso (USD15,50), que você compra acessando AQUI.
Me dizem o que acharam da história nos comentários?
A Coincidência U
Uelinton era um moço avoado que se retirou do sertão em busca de sustento, e que sempre viveu de bicos, e que não veio retirado da seca sozinho, e que não vivia de bicos sozinho, se retirou do sertão para o Rio de Janeiro com o gêmeo chamado Uilson, que, por sua vez, não levava uma vida muito diferente. Meninos ainda verdes de tudo, eram gozação da jagunçada.
Uma década e meia depois, homens crescidos, aprenderam a se defender:
“Ei, seus jagunços boiolas que não montam direito nem em cachorro, venham nos pegar filhos de rapariga!” - zoavam e depois corriam.
Com o Sol raiando forte na laje, Uelinton destapou a frente do barraco e foi trabalhar. Antes, viu uma galinha morta, com a cabeça depenada, na beirada de um córrego que passava rente as tábuas do barraco. Nada de muita importância.
Apesar de tudo, mereciam ser considerados sujeitos de alguma sorte. Uelinton e Uilson viviam juntos em um barraco que, de tão no limite da favela, no alto do morro, como que lentamente, o improviso parecia expulsado para fora da comunidade, caindo dentro da cidade, pendurado no morro feito brinco de tábuas, suspenso sobre uma estrada federal. Roupas, alimentação, transporte: dividiam as poucas despesas que podiam arcar, mas, ainda assim, tinham que dar duro com o que faltava. Um irmão se fazia gostável pelo outro, não se desgrudavam, afinal, eram a única família que tinham fora do sertão.
Na favela, sempre que passava um caminhão na estrada, aquelas carretas carregadas com tudo de mais pesado, o barraco ameaçava despencar do morro, mas só ameaçava pois nunca se moveu um só milímetro. E olha que não eram poucas as vezes que carretas passavam carregadas com tudo! Deus o segurava pela fé.
“Por pior que a coisa esteja, botei reparou que uma coisa é certa com a gente, mano: no final, Cristo sempre ajuda.” - Uilson constatou certa vez ao irmão.
Próximo da eleição na cidade, Uelinton foi abordado por um conhecido da favela que se candidatara a vereador. “Olá, amigo, estou em campanha! Se me der o seu voto e o de seu irmão, arranjo um emprego para você na câmara e um outro na prefeitura para ele.” - prometeu, o candidato, que não se elegeu e que nunca soube se não havia tido nome suficientemente lembrado para ser eleito ou se os irmãos, bem como o restante da favela, não foram fiéis como haviam apalavrado serem. A verdade é que Uelinton votou no vereador, já Uilson não tinha o temperamento dos que se contentavam com a caridade corrupta de terceiros e sequer foi votar. “Prefiro ralar.” - justificou. Enquanto o irmão sonhava com a estabilidade de um emprego público, dos com salário pingando todo começo de mês na mão, Uilson passava o dia todo catando latinhas para vender no ferro-velho.
Uma semana antes do Natal, Uelinton e Uilson conheceram duas irmãs que também eram gêmeas: chamavam-se Paula e Patrícia respectivamente. Paula e Patrícia, chegadas na favela havia completado um mês, moravam com o pai surdo-mudo, querido por todos. “Como vai, Seu Clodinho?” - a vizinhança o cumprimentava. “Uito êm, obiao!” - Seu Clodinho agradecia. A vida tem dessas coisas, alguém poderia dizer. O fato é que Uelinton começou então a namorar com Paula e Uilson apaixonou-se por Patrícia. E não se desgrudavam um só instante.
Paula e Patrícia pediam a benção ao pai, deixando-o sozinho, e iam a noite para o barraco de Uelinton e Uilson para vê-los. Nos primeiros dias do namoro, se encontravam geralmente no meio da manhã ou no fim da tarde, e não eram raras as vezes que os quatro ficavam juntos, em conchinhas de dois, no mesmo colchão. Mal tinha espaço para os quatro no barraco! E foi assim por um tempo proveitoso quando tiveram as primeiras brigas, aquelas intriguinhas de gente boba. Em todas elas, Uelinton, Uilson, Paula e Patrícia discutiram por motivos mais do que despropositados em comparação com a determinação de ficarem juntos. Uelinton começou a demonstrar ciúmes de Paula ao perceber que ela era excessivamente simpática com Uilson, que, por sua vez, externou ciúmes de Patrícia, que se mostrava cada vez mais carinhosa com Uelinton, esse se achando o “Racional do Mundo” e o “Mestre dos Improvisos”. Mas nunca foram além desse tanto. Que os gêmeos brigassem e passassem alguns dias sem se falarem, logo depois voltavam a namorar.
Certa ocasião, Uelinton presenteou Paula com um cachorrinho que resgatou desorientado no acostamento de uma rua na cidade, que passava no outro lado do morro, e Patrícia, quase que simultaneamente, também fora presenteada por Uilson: ganhou um gatinho varado de fome que Uilson havia recebido das mãos de uma vizinha de barraco que trabalhava como doméstica, gatinho esse que a vizinha havia sido presenteada pela patroa, por sua vez, presenteada pelo filho mais velho criado por uma tia fazendeira do Mato Grosso. Mais do que um, a vizinha ganhara da patroa uma ninhada de cinco gatinhos, dos quais um veio a morrer minutos depois que nasceu.
“Teve até cortejo e um funeral de gato com direito a padre e tudo.” - Uilson contou à namorada.
Uilson também gostava de ler. Um de seus passatempos favoritos, além de estar junto com Patrícia, era visitar uma biblioteca comunitária que os próprios moradores da favela haviam montado em um barraco mais ajeitado e, por lá, ficar foleando livros, descobrindo as histórias que despertassem uma genuína e interessada vontade de ler, daquelas vontades que a gente não aguenta enquanto não alcança o último ponto final. Preferia quase sempre histórias de detetives e biografias de personagens da Segunda Guerra.
Já Uelinton ruminava em sua memória um grande sonho: queria ser um profissional do futebol. Na infância, não muito diferente de qualquer outro dos jogadores bons de bola pobres do sertão, passava dias e tardes no chuta-chuta com os amigos e já se via, presunçoso, estourando em um clube do sudeste, exatamente como um daqueles famosões de carro importado que aparentam nunca terem problemas na vida. Jovem, tentou várias vezes realizar seu sonho. Com a ajuda de um padrinho, participou de peneiras em grandes clubes do sudeste, porém, sem talento o suficiente, destinou-se a uma vida frustrada neste quesito e não foi aprovado em nenhum. Cogitou até se inscrever em outros clubes de menor importância de outros estados que não os do sudeste, mas, sem padrinho e dinheiro para o transporte, viu-se impedido de continuar tentando e desistiu do sonho. Se jogasse futebol, agora trintão, seria somente por divertimento, e só!
Nada na vida é tão bom ou ruim que não possa melhorar ou piorar.
Com a chegada da primavera do ano que se seguiu, Uelinton rompeu o namoro com Paula, seguido por Uilson que rompeu o relacionamento que tinha com Patrícia. Cansaram, os gêmeos, do convívio de um com o outro e, na semana seguinte aos términos, Uelinton e Uilson decidiram dar um fim à dureza e à dificuldade que levavam, tomando a corajosa decisão de prosperarem na vida. De centavo a centavo, haviam conseguido acumular umas economias. Compraram uma kombi velha que usariam para vender brigadeiro na favela, daqueles tão bons que só se vendem nas melhores padarias. Uilson foi até a biblioteca, onde procurou um livro que tivesse receitas de doces e encontrou um, de poucas páginas, com várias receitas com chocolate, brigadeiros inclusive. Conseguiram receita de brigadeiro com canela, com menta, com morango, com laranja e até salgado. - “Que criança vai gostar de um brigadeiro de feijão recheado com peito de frango?” - descartaram a receita logo de cara. Uilson pegou o livro e, no mesmo dia, meteram a mão no chocolate. Foi um sucesso como poucos: de real a real, levantaram um casão na favela.
Passado pouco tempo, Uelinton e Uilson se reconciliaram com Paula e Patrícia.
FIM

Gostei bastante do conto, amo ler contos do tipo. Parabéns!
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