Aí está a segunda parte de "Isaurinha e Seu Fernando", que compõe, juntamente com outros quinze, o livro Quilômetro Cinza e Outros Contos de Cabeça! Os contos foram publicados na Amazon. Você pode comprar o eBook ($4,50), clicando AQUI, ou o livro impresso (USD15,50), que você compra acessando AQUI.
Espero que gostem do desfecho!
Isaurinha e Seu Fernando
Tratavam-na como um animal de estimação. Nos primeiros dois dias, Seu Fernando arrumou um vaso de flores vazio para que Isaurinha forrasse o fundo com algumas folhas e gravetos, fazendo o vaso de casa para a aranha. Zelosa, colocou até mesmo uma tampinha que enchia de água, caso a mesma sentisse sede, e insetos, caso tivesse fome e preguiça de caçá-los.
Isaurinha a mimava. Conforme os dias passaram, as horas transcorreram, a aranha revelou-se então única no que foi se desenvolvendo e crescendo muito acima do imaginável. Já não vivia mais no vaso, circulava por todos os cômodos do sobrado. A criatura, para a graça de todos que a viam fazendo companhia ao casal, ganhara o tamanho de um cachorro da altura dos joelhos de Isaurinha. Isaurinha batizara a mutante com o nome Vitória. Achava propício esse nome.
“Quer dar uma voltinha pelo bairro, Vitória?”
“Não deve ser isso, minha vida. Não. Não. Já sei o que é! Vitória está com fome. Vou lá fora caçar mais insetos e já volto.” - Seu Fernando voltava sempre com um pote cheio de mariposas e borboletas que capturava ora na praça, ora em uma mata próxima do sobrado.
Assim era a rotina da aranha: depois de alimentada, levavam-na para passear e a apresentavam com todo orgulho para os amigos, vizinhos e desconhecidos que não se mostravam menos carinhosos ao vê-la.
“Chama-se Vitória.” - diziam, o casal. - “Ela é muito querida. Cresceu tanto pelo amor.”
Foi então que certo dia, quando a vida corria normalmente, a rotina fluindo, o céu ficou coberto da cor cinza e uma chuva forte lavou a cidade durante aquela tarde, a noite e boa parte do dia que se seguiu. Não havia ninguém que não tivesse a vida sido afetada pelo temporal ou que não conhecesse alguma pessoa prejudicada. Assim que a chuva começou, um cão rotweiler que fugia do aguaceiro se abrigou na varanda do sobrado e pôs-se a latir com medo dos sucessivos trovões, como que implorando por abrigo. Isaurinha e Seu Fernando, ao ouvir os latidos, solidários, abriram a porta rapidamente para que ele entrasse e se abrigasse da chuva. Adotaram o cão rotweiler.
Seu Fernando o batizou com o nome Gilbert.
Gilbert e a aranha Vitória se tornaram tão amigos e leais um para com o outro que não se desgrudaram um segundo desde então.
Mais um sábado, Isaurinha e Seu Fernando arrumavam as últimas bonecas dentro de duas malas para vendê-las na feirinha de artesanato da praça.
“Gilbert e Vitória, vocês querem ir com a gente?” - Seu Fernando perguntou aos dois que já os esperavam, ansiosos, na porta do sobrado.
“Claro que querem, papai.” - Isaurinha respondeu por eles. Brincou. - “A gente quer muito, não é mesmo crianças?”
Não queriam deixá-los em casa, desprotegidos e sem companhia.
Gilbert e Vitória foram juntos com o casal. Logo que chegaram na praça, enquanto Isaurinha e Seu Fernando ajeitavam as bonecas de porcelana que venderiam, o cão e a aranha mutante se juntaram aos pés de uma árvore, quietinhos para que assim não distraíssem os clientes ou atrapalhassem as vendas. E por mais que a lógica dissesse o contrário, não atrapalharam as vendas. Gilbert e Vitória funcionaram como atrativos para que a meninada se aproximasse e se interessasse ainda mais pelas bonecas.
Venderam mais do que na semana anterior. Tão prontamente a meninada se aproximava, Isaurinha era carinhosa com todas e também com aquelas que já se apresentavam dizendo só estarem admirando as bonecas. Seria assim na semana que se seguiu, e na seguinte, com Gilbert e Vitória aos pés da árvore, enquanto vendiam todas as bonecas que haviam levado à feira.
Em uma dessas vezes que atenderam a meninada, uma em especial, de vestido azul, se aproximou então da bondosa Isaurinha e do generoso Seu Fernando.
“A senhora se lembra de mim?” - perguntou.
Isaurinha, mesmo com uma ligeira suspeita de conhecê-la, não se lembrou.
A menina respondeu a própria pergunta:
“A senhora me deu uma boneca de presente quando eu estava junto com o meu vovô. Se lembra de mim agora?”
“Sim, agora me lembro. Mas onde está o seu vovô? Está sozinha?”
“Meu vovô morreu, mas não estou sozinha porque ganhei uma mamãe.”
Seu Fernando, no que a ouviu dizer que ganhara uma mãe, comemorou:
“Que bom saber disso!”
“Sim, ganhei uma mamãe de coração. É assim que eu chamo ela. E ela também é muito rica.” - disse, a menina de vestido azul.
A menina, de forma resumida, contou o que se sucedeu em sua vida nos últimos dois meses. Disse que seu avô havia morrido e que fora levada a um orfanato, onde, poucos dias depois, conseguiu ser adotada.
“Eu quero dar um presente para a senhora.” - ofereceu uma bonequinha de ouro cravejada de diamantes e outras pedras preciosas. - “Por favor, diz que aceita!”
“É muito valiosa, eu não posso aceitar.” - Isaurinha recusou.
“Insisto que aceite.” - emendou, a menina. - “A senhora foi muito boa comigo. Foi mamãe quem sugeriu que eu lhe desse esse presente. A senhora merece e precisa dele.”
Assim sendo, ao lado de Seu Fernando, Isaurinha aceitou o presente. A menina sabia que a joia era uma inequívoca ajuda financeira ao casal. Ao deixar a praça, despediu-se ainda de Vitória e do cão rotweiler Gilbert. Ambos a observavam com ternura.
Todos os personagens, às suas estranhezas, guardavam preciosas semelhanças e, por isso mesmo, eram especialmente singulares.
FIM

Comecei pela segunda parte (rsrs), mesmo assim não fiquei perdida no conto, você escreve muito bem e fiquei envolvida com o conto. Parabéns pela escrita.
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