“Está pronto?”
“Tudo pronto.”
“Posso soltar o
coelho?”
“Pode soltá-lo.
Mas o solte apenas. Não o jogue.”
“À caça!”
O coelho branco não
percebeu o que lhe aguardava. A doze mil pés de altura, só foi
perceber que seria jogado para fora do avião no momento em que
sentiu que ninguém mais o segurava, que despencava do céu como um
anjo rejeitado pelo seu Senhor.
Cláudio, que até
então o segurava no colo com gentileza e proteção, o colocou para
fora da aeronave com uma das mãos, soltou-o no ar e saltou atrás,
seguido por Celso, segundo paraquedista do esquadrão e seu amigo de
longa data.
Desesperado, o
coelho branco, indefeso e o único inocente de tudo que se passava,
debateu-se violentamente nos primeiros quinhentos metros da queda,
mas, depois, se resignou com o pior, parando de se contorcer. Teve a
certeza de que ia morrer da forma mais estúpida que um coelho havia
morrido em toda História conhecida: caído de um avião, no céu de um cafezal.
Mas, afinal, por que
é que os dois paraquedistas soltariam o coelho de um avião para
depois irem à sua caça? Se perguntasse o que fez para eles, a
resposta é rigorosamente nada: o que só aumenta a estupidez do
feito. Era tudo um jogo, um desafio irresponsável cujo vencedor
seria aquele que salvasse o coelho.
Um dia antes, sem
nada prestável para fazer, foi Cláudio quem convidou Celso para o
desafio; Celso mostrando certo receio em relação ao plano horas
antes do embarque. Temeu que, por algum motivo suficientemente
plausível para qualquer um com o mínimo de discernimento, não
conseguissem salvar o coelho.
“Mas se a gente
não conseguir pegá-lo?”
“Por que a gente
não conseguiria alcançá-lo? É um coelho que não pesa quase nada:
vai ser como pegar um travesseiro no ar. Deixa de ser frouxo!” -
Cláudio insistiu. - “Qual é, companheiro? Não acha que ele vai
sair voando para longe da gente quando for solto do avião, acha?”
- instigou o amigo.
“Não sei, não.”
“Sabe sim.”
Cláudio não
precisou insistir muito para que Celso concordasse.
“Pensando bem,
você tem razão. Vai ser divertido até.”
Na perseguição ao
coelho, Cláudio esteve o tempo todo mais perto do coelho pois havia
sido justamente ele quem saltara primeiro, logo após tê-lo soltado.
Sobrevoaram uma fazenda de café durante o desafio: sugestão do
piloto no momento em que foi convidado pelos dois colegas a
participar do desafio.
“É só por
precaução.” - argumentou, o piloto, receoso. - “Vai ter muito
céu e muita terra. Ninguém vai atrapalhá-los.
O coelho pertencia a
filha única de Celso, Maria Isabel. No que Celso saiu de casa para
ir ao hangar se encontrar com Cláudio e com o piloto, duas horas
antes do que geralmente saía de casa para o trabalho, entrou no
quarto da filha sem fazer barulho e sequestrou o coelho de uma
pequena jaula de ferro que servia como sua casa, levando-o consigo.
Ultrapassado cinco
mil pés de distância da queda, Cláudio, pela primeira vez durante
o voo, começava a ficar verdadeiramente preocupado de que não
pudessem alcançar o coelho ao tempo em que Celso, um minuto depois,
abriu o paraquedas. O coelho já não se contorcia mais, desesperado
com o que lhe acontecia. A três mil pés de altura então, Cláudio,
como uma flecha que perfura o ar, conseguiu finalmente apanhá-lo e,
no segundo seguinte, abriu o paraquedas, a salvos. Ainda com o
paraquedas aberto, percebeu que alguma coisa saíra fora dos planos.
Cláudio pousou no
cafezal momentos depois, seguido por um Celso eufórico com o feito,
que se aproximou.
“Foi mais
emocionante do que esperávamos! Quando vamos saltar de novo?”
Cláudio respondeu
com um semblante de gravidade estampado no rosto:
“Não vai haver
outro salto.” - mostrou-lhe o coelho imóvel em suas mãos.
“Mas como é que
ele morreu?”
“Deve ter morrido
de medo.”
“De medo?”
“De infarto
talvez.”
Celso pensou em
Mabel no mesmo instante.
“Não é possível;
deixe eu vê-lo!” - conferiu que o coelho que presenteara a filha
no último aniversário não tinha sinais vitais, que ele havia
realmente morrido.
“Que vai fazer?”
- Cláudio perguntou.
Sentindo-se culpado
pelo que havia acontecido, Celso fez um ensurdecedor silêncio antes
de responder:
“Minha filha não
precisa saber o que fizemos.” - apressou-se em explicar. - “Vou
levá-lo para casa e, quando me disser que seu coelho está morto, eu
a confortarei dizendo que compro outro igual. E pronto.”
Cláudio não viu
defeito no plano do amigo. Olhou em seus olhos firmemente, com a
segurança de quem concorda com o que acabara de ouvir.
O dia começava a
amanhecer. Então, Celso deixou o cafezal e se apressou em voltar
para a casa, levando o coelho morto dentro da mochila, no lugar do
paraquedas. Ao chegar em casa, ainda com a roupa de paraquedista,
certificou-se de que a esposa ainda não havia acordado e entrou no
quarto da filha para colocar o coelho morto dentro da sua casinha. No
instante seguinte de tê-lo colocado, a pequena Mabel surpreendeu
Celso, flagrando-o dentro do quarto, de frente para a jaula.
“Deu ração para
o Peludinho?” - perguntou-o.
Celso olhou para a
filha, nervoso. Não conseguia responder nada.
“É cedo ainda,
Peludinho não está com fome.” - Mabel não esperou resposta e se
sentou na lateral da cama. - “Ele deve estar dormindo.” - disse.
Logo depois, para o
pânico de Celso, Mabel se levantou e caminhou até a casinha do
coelho para vê-lo de perto.
“Viu? Ele está
dormindo mesmo.” - disse ao pai.
Mabel voltou a
dormir enquanto que Celso foi para o banheiro trocar de roupa. Pôs a
roupa de paraquedista para lavar e, sem fazer barulho, entrou no
quarto onde a esposa dormia pesadamente.
“Vou preparar uma
caneca de leite morno. Você quer?” - sentou-se na cama, acordando
a esposa.
“Não, meu amor,
obrigada.” - a esposa agradeceu. E quis saber. - “Mabel ainda
está dormindo?”
“Sim, não se
preocupe.”
Celso foi para a
cozinha tomar o leite morno. Estava muito nervoso
e extremamente preocupado com a reação da filha quando tomasse
conhecimento do que provocara. Enquanto esteve na cozinha, ficou o
tempo todo ensaiando uma forma de reagir à sua tristeza. Meia hora
depois, Mabel apareceu com o coelho deitado no colo.
“Que aconteceu,
meu docinho?” - Celso repousou a caneca sobre o balcão e se
preparou para confortar a filha.
“Nada, pai.” -
Mabel respondeu. Acarinhava o coelho com o amor de sempre. -
“Peludinho está dormindo.” - a menina disse baixinho ao pai ao
ver que ele olhava fixamente para o seu colo.
“Não pode ser
verdade.” - Celso soltou um riso de puro inconformismo.
Se aproximou da
filha e, mesmo com alguma resistência por parte dela, pôs a mão
sobre o coelho. Percebeu que ele, de fato, dormia; vez ou outra, até
mexia as orelhonas brancas.
A menina, sem
entender o que Celso queria dizer, indagou-o:
“Que é que não
pode ser verdade, pai?”
“Nada, docinho.”
E Celso foi correndo
para o quarto se confessar com a esposa. Tudo aquilo não fazia
sentido algum, começando pelo fato dele próprio ter cometido o
erro, o crime. Mabel seguiu-o. Adentrou o quarto e se aproximou da
cama cuja esposa dormia pesadamente, um dos braços caído em direção
ao chão.
“Meu bem, acorde!”
A esposa não
acordou.
“Cristéia!” -
deu-se por conta ali mesmo que uma coisa insuportavelmente mais
terrível havia se passado no quarto enquanto estivera na cozinha: a
morte fulminante da esposa e do feto que ele só foi tomar
conhecimento horas depois que ela carregava no ventre. - “Não me
deixa! Volta para mim, meu amor!” - implorou.
Abraçado com o
corpo da esposa deitado na cama, Mabel e o coelho se aproximaram da
lateral da cama.
“Que aconteceu com
a mamãe?” - a filha perguntou.
Celso respondeu:
“Nada, docinho,
mamãe está dormindo.”
“Que horas ela
acorda?”
“Não, docinho,
você não entendeu. Mamãe não vai acordar.”
“Por que, papai?”
“Porque Deus quis,
docinho, porque Deus quis.”
Dias depois, coisas
tão ou mais piores continuaram acontecendo, definitivas ou não,
provocadas ou não, mas nada com o coelho ou com a pequena Mabel.
Cláudio e o piloto morreram de desastres aéreos, uma praga
abateu-se sobre o cafezal que não deu mais nenhum pé saudável de
café e Celso ficou cego do nada.
“Deus não gosta
da gente, papai?”
“Boa noite,
docinho.”
FIM.

Que sinistro!
ResponderExcluirConfesso que no início estava com dó do coelho, mas ao desenrolar do conto fui ficando com medo e por fim, mais medo ainda.
Ainda bem que li mais cedo hoje, senão, não ia conseguir dormir.
Beijo
Cássia Pires
Cássia, coelhinho sinistro mesmo, rs.
ExcluirObrigado pela visita.
Ok, estou extremamente baralhada com este conto, pela primeira vez! :o Acho que vou ter de reler e reler outra vez para entender. Ou talvez seja mesmo assim... Será esse o propósito?
ResponderExcluirDe qualquer das formas, e apesar de ter ficado bastante triste por ver tal malvadeza com o coelho (sou muito defensora dos animais!), acho que deve haver aqui a genialidade tipica da sua escrita! Vou ler mais uma vez!!
Bia, leia sim., rs, o conto tem mesmo uma narrativa descontínua e um tanto quanto caótica, kkk
ExcluirObrigado pela visita.
Que coelho macabro. Eu estava doido pra comprar um coelho e colocar o nome dele de Pernalonga, você me fez desistir. Conto alucinante e ao mesmo tempo aterrorizante, parabéns.
ResponderExcluirFranklin, não faz isso não, rs.
ExcluirVai culpar meu conto por ser pão-duro, vai? kkk
Abraço, amigo.
Meu deus, que coisa aflitiva, meus parabéns!
ResponderExcluirObrigado, Coletivo.
ExcluirContente que tenha gostado.
Meu Deus que final é esse.
ResponderExcluirFiquei com pena do bichinho e de todos da família, mas eu entendi que o conto nos mostra que aqui se faz e aqui se paga.
Adorei seu conto principalmente por essa pegada macabra.
Beijuh
Obrigado, Renata. E que bom que gostou.
ExcluirVolte sempre!
OMG! Que conto foi esse!!!
ResponderExcluirAdorei o plot twist ali no final - tanto que não esperava aquilo. E ainda mostrou que temos que tomar cuidado com as nossas atitudes, pois elas podem trazer resultados não muito bons.
Bjss
http://umolhardeestrangeiro.blogspot.com.br/
Carolina, obrigado por seu generoso comentário e que bom que a surpreendi.
ExcluirDiz o ditado popular: AQUI SE FAZ, AQUI SE PAGA! rs
abraço.
Hahaha que TOP esse conto!
ResponderExcluirNo início esse coelho até me cativou, mas depois que coelhinho macabro.
Tenho um certo apego por histórias que envolvem animais. Lembro-me de um coelho arteiro que tive na infância.
Parabéns pelo post, por que você merece mesmo!
Att,
Gabriel José
Blog Combo Pop
Obrigado, Gabriel.
ExcluirTambém tive um coelho quando criança e era tão branquinho quanto o da foto, rs.
Abraço e bem-vindo ao blog!
Deixou pra mim um grande sinal de exclamação.O coelho não poderia ter simplesmente desmaiado? Os acontecimentos posteriores tiveram relação com o coelho? Exclamação foi o que sobrou para mm no final.Muito bem escrito como todos os seus textos! Abraços.
ResponderExcluirAdriana, vamos às respostas:
ExcluirNão, o coelho não desmaiou. Ele morreu na queda do avião, enquanto os paraquedistas tentavam resgatá-lo. Teve um ataque fulminante do coração.
Sim, todos os acontecimentos posteriores têm relação com o coelho.
Obrigado pelos elogios; volte sempre!
Existe mesmo essa máxima de que "aqui se faz, aqui se paga". Seria, então, esse o caso? Muito bem escrito! Parabéns!
ResponderExcluirSim, Laysla, essa é a ideia central do conto.
ExcluirObrigado pelos elogios e pela visita. Volte sempre!
Meu Deus, esse coelho me despertou vários sentimentos haha. Já disse e repito, adoro o que você escreve e tô com um apego real por esse conto por me fazer sentir uma inconstância de sentimentos e opiniões. Parabéns!!
ResponderExcluirObrigado pelos elogios e comentário, Camille. O coelho é muito fofinho e sinistro.
ExcluirVolte sempre!
Sinistro! Fiquei pensativa depois de ler esse conto ;)
ResponderExcluirAndressa, kkk, pensar e sempre bom!
ExcluirAssim como a maioria dos comentários acima, senti que o conto deixou um Q de suspense no ar, e pra entendê-lo acho que vou precisar ler mais uma vez, mas assim como o conto da Menina de Gabrovo é igualmente encantador. Sinistro, mas ainda sim encantador.
ResponderExcluirThayama, obrigado pelo comentário.
ExcluirQue bom que gostou!
Nossa! Parabéns! O conto me deixou completamente aflito, e no começo eu fique com tanta dó do coelhinho rsrsrs
ResponderExcluirParabéns!
Obrigado, Daniel, o conto mesmo uma certa aflição suspensa no ar. Obrigado pelo comentário!
ExcluirBoa noite Rob, eu hein, texto sinistro kkk esse coelho tem poderes ou é feiticeiro, credo. Muito bom, gostei.
ResponderExcluirParabéns.
Abraços,
Uiara Melo
Uiara, kkk, coelho sinistro de fato!
ExcluirUm coelho sobrenatural. O que não é nada sobrenatural é a máxima de que aqui se faz, aqui se paga.
Obrigado pelo teu comentário!
Nossa! Que conto! Muito bom para refletir nas coisas que fazemos!
ResponderExcluirMe senti absorvida na sua escrita, parabéns!
Beijos!
Obrigado!
ExcluirVolte sempre! Desde já, fica o convite para ler o próximos.
Fiquei muito aflita e triste com o que aconteceu com a esposa dele, e tudo aquilo de ruim...
ResponderExcluirTeve o ensinamento de não fazer com os outros o que não gostaríamos que fizessem conosco. As consequências são muito tensas!
Suellen, de fato, tem muita tensão no conto. Assim como você também acredito que tudo tem uma consequência.
ExcluirObrigado pelo comentário e pela visita!
Ah, e parabéns pelo conto. Sempre surpreendente!
ResponderExcluirObrigado, Suellen, muito gentil!
ExcluirOie, tudo bem? Que conto mais triste e assustador. Primeiro sentimos dó, depois medo, e depois ainda pavor. Muito bem escrito como sempre. É impossível não ler até o final e ficar preso à história. Sucesso! Beijos, Érika ^^
ResponderExcluirÉrika, esse conto é uma montanha russa de emoções? kkk
ExcluirTambém acho isso. Tentei ser o mais abrangente possível.
Obrigado pelo comentário. Volte sempre!