(Um caso vampiro em São Paulo)
Hiroilto
foi sem destino então. Fincou a chave no carro, desobedecendo a
advertência veiculada continuamente no rádio e na televisão para
que ficasse em casa, dada à excepcionalidade do que se ocorria com o
tempo em São Paulo. - “Talvez, o clima esteja igual no mundo.” -
pensou enquanto dirigia. - “Que está acontecendo?” - a neve caía
torrencial, ao longo da Bandeirantes, em flocos grossos, instalando o
frio que não era menos aterrador.
Foi
percebendo que, enquanto dirigia, era literalmente o único em toda a
cidade que havia tido a ideia de se atirar ao desconhecido, mas
dirigiu o carro com cuidado em todo momento. Certa hora, Hiroilto
parou ao avistar, no acostamento da marginal, um menino sozinho que
não aparentava ter mais de dez anos. Deu duas pancadinhas no vidro
do carro como quem o anunciava que podia se aproximar, só que o
menino porém limitou-se a olhar em sua direção, dando a entender
que não entendia o que Hiroilto queria. - “Ele vai morrer
congelado se eu não tirá-lo de lá”. - abriu a porta do carro e
se entregou ao frio.
A
pista estava escorregadia por causa de uma crosta de neve que, com
alguma rapidez, acumulava-se nas bordas, quase que se estendendo a um
rio congelado. Tinha que ser mais ligeiro no resgate ao menino. -
“Não tenha medo, garoto, deixa eu te ajudar!” - estendeu-lhe a
mão enquanto caminhava, para que viesse ao seu encontro, porém, de
novo, o menino não reagiu. Valente, no que se aproximou, Hiroilto
envolveu o menino nos seus braços e o levou com ligeireza para
dentro do carro. - “Que merda, Hiroilto!” - na pressa de
socorrê-lo, Hiroilto esqueceu de fechar a porta ao sair do carro e
uma boa camada de neve encobria todo o banco do motorista. Com duas
braçadas generosas, expulsou a maior parte dela. Entrou no carro
mesmo assim e colocou o menino, sentado no banco do carona, ao lado.
“Ufa,
que aventura hein?! Como se chama, garoto?”
Para
alívio de Hiroilto, o menino respondeu:
“CD.”
“CD?”
- sorriu para o menino, que fez que sim com a cabeça. - “Prazer em
conhecê-lo, CD. Vou levá-lo para casa, certo? Onde estão seus
pais?” - Hiroilto não disfarçou a afeição que já sentia pelo
menino.
CD
não o respondeu. Em vez disso, laçou-lhe um olhar opaco, fosco,
inabilitado de sentir. Hiroilto presumiu desse modo que o menino não
tivesse pais e que, justamento por isso, o encontrara na rua. -
“Pobre garoto!” - pensou. - “Vamos ficar junto até que a neve
passe, CD. E depois te levo para uma delegacia; quem sabe, eles não
te arrumam uns pais maneiros! Combinado assim?” - perguntou.
CD
o encarou com desinteresse. Deu-se a entender que para ele tanto
importava o que fariam depois. CD tinha o rosto e as mãozinhas tão
brancos que impressionava Hiroilto fortemente, cada vez mais.
“Está
com frio?” - o bondoso homem quis saber.
“Um
pouco.” - CD respondeu.
“Coitadinho!
Não se preocupe porque já estamos chegando em casa.”
E
Hiroilto passou-lhe as mãos nos cabelos, confortando-o. Ao fazer
isso, se impressionou mais uma vez: os cabelos de CD estavam
extremamente secos e sua pele, sem viço algum, ficava cada vez mais
branca, diferente em comparação a qualquer outra que já havia
visto, como a de um cadáver de um menino congelado. Em seguida, ao
levar a mão ao nariz e cheirá-la, quase vomitou ao sentir um cheiro
terrivelmente podre em um pouquinho de óleo que se impregnara nela.
Era como se houvesse acabado de passar a mão na carniça de um
animal morto. Assustado, decidiu levar o menino direto para uma
delegacia, invés de levá-lo para casa como o havia prometido.
“Estou
com fome e eu quero comer agora.” - CD pôs as mãozinhas sobre sua
barriga.
“Já
estamos chegando em casa, CD.” - Hiroilto escondeu-lhe aonde
verdadeiramente estavam indo. - “Aguente só mais um pouco,
combinado?” - e foi acelerando o carro, mostrando pressa em se
livrar do menino.
“Eu
disse que eu quero comer agora, não me ouviu?”
O
menino, antes indefeso, se revelou então. Ao olhar para o lado,
Hiroilto viu-se tomado pelo horror. Criatura medonha, a cabeça de CD
revelou-se peluda; as orelhas, os olhos, o nariz e os dentes fininhos
lembravam os de um asqueroso morcego.
“Não
precisa ser do jeito mais doloroso para você. Só quero uma dose de
sangue, vou transformá-lo.”
“Vá
embora, demônio!” - Hiroilto enfiou o pé no freio.
Com
toda a calma, CD, pequeno conde, um aprendiz de vampiro, foi se
aproximando lentamente da sua presa, que, já em paz e a vontade com
seu destino, sentiu cravar os dentinhos na jugular. - “Só uma dose
do seu sangue.”
FIM.

Oh, não estava nada à espera deste desfecho! Pena que foi pequenino... É a continuação de algum outro conto ou terá continuação?? Quero ler mais disto!! ;)
ResponderExcluirBia, o final foi pensado a exaustão antes de ser escrito. Fico feliz que tenha curtido.
ExcluirNão terá continuação, não, mas farei outros contos tão surpreendentes quanto. Acompanhe o blog e verá.
Esse é um dos motivos que acredito que nunca devemos dar carona a estranhos na estrada. Há tantas histórias e "Causos" e seu texto só aumentou ainda mais o meu medo dessas coisas, belo texto meu amigo, seus contos são sempre fantásticos.
ResponderExcluirFranklin, como meu guru, tudo que diz é lei para mim. A partir de agora, não dou carona para mais ninguém, rs.
ExcluirAté porque não tenho carro...
Oi Roberto, tudo bem? :)
ResponderExcluirConfesso que não sou muito de ler contos; acho que tenho medo de que o autor não consiga demonstrar todo o seu potencial em apenas alguns parágrafos sabe? Mas o seu, mesmo curto realmente produziu o efeito desejado - fiquei assustada com esse garotinho desde o primeiro momento em que o citou! haha'
Embora seja uma medrosa para história de terror, acho incrível quando as pessoas conseguem desenvolvê-la bem o suficiente para assustar. Antigamente eu achava que nunca me assustaria com história de terror, que o elemento visual era essencial para tal sentimento, mas depois de ler o Iluminado realmente mudei de idéia! haha'
Parabéns pelo conto!
Abraços! ;*
❤ Letras Eternas
Dayane, sem palavras para agradecer tuas palavras... bom, apenas um obrigado então.
ExcluirValeu mesmo; volte sempre!
Um conto que servia na perfeição para a época do Haloween! Gostei muito! Boa imaginação ;)
ResponderExcluirJoaozinho, meu velho, minha imaginação não é maior do que a tua generosidade.
ExcluirVolte sempre!
Oi Roberto, tudo bem?
ResponderExcluirUai! Que desfecho é esse? Li o conto e fui achando que seria uma bela história de ajuda, onde o homem e o menino se encontrariam em uma mesma alma e seriam felizes. Adoro quando sou surpreendida pela escrita, quando um autor consegue impressionar, ainda mais quando isto é feito em poucas linhas. Esse toque sobrenatural, com toda certeza foi o grande diferencial. Parabéns! Você tem muito talento!
Beijos!
Alice, obrigado. Obrigado. E mais outro obrigado.
ExcluirSe viu talento na forma como escrevo, não morrerei de fome, não é mesmo? kkk
Volte sempre!
Uau! Não esperava nada disso ao começar a leitura. Gostei do desfecho sobrenatural e da pontada de criatividade, mas sou do tipo que ama contos compridos, e achei o seu um pouco curto. Admito, porém, que seja o tamanho certo para a maioria amar! Parabéns!
ResponderExcluirGiovanna, não escolho o tamanho que um conto meu vai ter. São eles quem escolhem, rs, não posso fazer nada enquanto a isso. Mas se gostou mesmo do conto que escrevi, pode voltar que lerá contos ainda melhores. E de vários tamanhos, rs.
ExcluirObrigado pelas palavras gentis.
Oiii!!
ResponderExcluirEu tenho uma relação de amor e ódio com relação a contos! Amo pela facilidade e encanto que trazem em suas palavras e odeio pq acaba sempre muito rápido e eu quero mais.
Você escreve muito bem e eu fiquei encantada, já vou deixar nos favoritos para ler os outros! Parabéns.
Beijinhos
Oi, Ana Paula, que bom que tenha gostado deste conto pelo menos, rs.
ExcluirObrigado pelos elogios. Continue acompanhando o blog!
Coitado do Hiroilto, não deveria ter saído de casa!! Pensou que estivesse fazendo uma boa ação ajudando o menino e se deu mal! Gostei da sua escrita, parabéns pelo conto!
ResponderExcluirAbraço.
Obrigado, Cidália.
ExcluirContente que tenha ficado satisfeita com o que leu, rs.
Cara...
ResponderExcluirGostei muito do seu conto, o CD é o mesmo que estou pensando né, do livro escrito pelo BS?
Parabéns, continue com seus contos, eles são ótimos, principalmente quando está chegando ao clímax.
;D
Jean, CD é uma abreviação de Conde Drácula, isso mesmo.
ExcluirVolte sempre, brother!
Eu realmente gosto da sua escrita, moço. Só não entendi bem a forma que decidiu ambientar São Paulo no texto.
ResponderExcluirObrigado, coletivo.
ExcluirSobre o conto ser ambientado em São Paulo, foi um capricho e uma ousadia da minha parte mesmo, rs. Quis ser original, rs.
Olá,Rob!
ResponderExcluirComo sou muito ,mas muito medrosa mesmo,então jamais darei carona a um estranho e este seu texto me fez ficar com mais medo ainda,rs.
Sua escrita é perfeita e parabéns por mais este conto maravilhoso!
Obrigado e volte sempre. O medo é bom, contanto que não nos paralise, rs.
ExcluirAbraço.
Nossa, que sinistro. kkkkkkk
ResponderExcluirVocÊ escreve extremamente bem, mas confesso que fujo de tudo que tenha a ver com terror.
Mas li todo o conto viu?! rs
Obrigado, Vanessa.
ExcluirVolte sempre porque aqui não posto contos apenas de terror, rs.
Oii, tudo bem?
ResponderExcluirÉ a primeira vez que leio alguma coisa sua e tenho que te dizer, você tem talento. Eu adorei o conto e o tema dele, principalmente seu desfecho. Com certeza irei ler o outros que você postou.
Giovana, palavras generosamente maravilhosas foram essas as que você deixou no comentário; obrigado de verdade!
ExcluirTomara que goste também dos demais contos!
Meus parabéns!
ResponderExcluirMe surpreendeu e é por essas e outras que eu amo contos, pois eles possuem algo que de alguma forma os deixa mais atraentes, não é somente algo mítico e só a fantasia, vai além da escrita e do escritor, obrigada por escrever esse ótimo conto.
Queria eu ter esse dom.
Obrigado, amiga!
ExcluirTambém adoro fantasia e o mítico em um conto, não necessariamente juntos.
Esse conto eu escrevi depois de uma reportagem sobre uma nevasca nos EUA que eu vi em um jornal. Não havia vampiros nessa nevasca, isso foi ppor conta da minha imaginação mesmo, kkk.
Volte sempre!
Sem palavras. Confesso que ainda estou com medo. Hahahaha Sério, sabe quando seu coração fica meio travado enquanto você lê algo? Bem assim. Muito bom! Parabéns!
ResponderExcluirObrigado, Suellen, que bom que gostou... pode-se dizer que gostou não é, rs?
ExcluirVolte sempre p/ ficar com mais medo ainda, rs. Minha imaginação não tem limites, rs.
Abraço
Por isso que não se pode dar carona para estranhos, não importa a situação ahahahah
ResponderExcluirIsso mesmo, Thais, aprendeu a lição, não é, rs?
ExcluirTambém acho p-h-o-d-á-s-t-i-c-o este conto!
Não esperava esse desfecho!Coitado do Hiroilto kk
ResponderExcluirJulia, obrigado pelo teu comentário. Não imagina o quanto fico feliz em saber que os finais dos meus contos surpreenderam o leitor.
ExcluirObrigado mesmo e volte sempre!
Olá Rob, esse conto só veio afirmar ainda mais a admiração que tenho com a forma que você escreve, apesar de não ser muito fã de contos, o seu me prendeu a atenção do início ao fim e como boa amante de historias de terror, adorei o final! Parabéns pela ousadia de incluir São Paulo na história, achei surpreendente.
ResponderExcluirAbraços e sucesso.
Renally, agradeço o comentário e a gentileza dos elogios.
ExcluirQue bom que gostou, também gostei de escrevê-lo. Sou um escritor de sorte, rs.
Um abraço vampiresco e congelado p/ ti, rs!
"Vá embora, demônio!” exatamente o que eu falaria nessa situação HAHAH Parabéns pelo conto, o timing ficou ótimo e a sua escrita bastante coesa. Daria um ótimo livro, né?
ResponderExcluirJá estou a ler os outros contos :D
Abraço!
lupiliteratus.blogspot.com
Fabio, divertido esse conto, não? Também gosto bastante do final.
ExcluirAbraço e valeu pelo comentário!
Oi Roberto tudo bem?
ResponderExcluirMesmo não lendo muitos contos sempre um ou outro chama atenção, e esse é um deles! não esperava por esse desfecho, da até um medinho né?
Bjs Jany
www.leituraentreamigas.com.br
Obrigado, medinho, medo e medão, rs!
ExcluirValeu pelo comentário! Volte sempre!
Final inesperado, Roberto! hehe
ResponderExcluirEspero pelos próximos o quanto antes. ;)
Obrigado, Isabella, legal que gostou!
ExcluirObrigado pelo comentário!
Eu gosto de ler contos!! Caramba, num é que com uma criança no contexto de uma estória de terror deixa o negócio muito mais assustador, pq da criança a gente não espera um ataque de vampiro! Seu conto é bem uma viagem surreal né, com neve em são paulo a absolutamente ninguem na rua, muito original. Vou seguir o seu blog também! Hoje tirei o dia para fazer essas interações e estou vendo muito do mesmo. Sao raros os blogs que apelam tao bem para a originalidade. Abraços! Thata
ResponderExcluirValeu, Thata, pelo teu comentário; ganhei o dia!
ExcluirO conto tem uma pegada surreal bem legal. não é? Modéstia parte, também gostei.
Obrigado pela visita, volte sempre!
Fiquei presa no conto do início ao fim! Consegues sempre surpreender-me !
ResponderExcluirVou ficar à espera de mais :)
Beijinho
Valeu, Rapariga, obrigado pelo comentário e pela visita!
ExcluirO aprendemos com seu conto?
ResponderExcluirAprendemos o que nossos pais já nos falavam quando eramos pequenos "não fale com estranhos" hehehehehehe
Gostei muito do final, bem surpreendente.
Beijinhos, Helana ♥
In The Sky, Blog / Facebook In The Sky
Helema, hehehe. obrigado pelo teu comentário. Que bom que o final do conto é quase unanimidade.
ExcluirVolte sempre!
Oiiii, achei teu texto genial.
ExcluirEu quando li o título eu imaginei centenas de situações que tu poderia desenvolver, mas nunca que a criança seria, digamos, a vilã da narrativa. O texto tá bem conciso e está maravilhoso, passou a mensagem sem muito rodeio. Arrasou.
Nossa, me surpreendi ali no final, não esperava que fosse assim ;)
ResponderExcluirValeu, Andressa, obrigado por ler meu conto, e que bom que consegui surpreendê-la om o final. Espero que p/ melhor!
ExcluirVolte sempre!